Relato
da experiência desenvolvida no Centro Educacional Escada do Tempo.
Uma
História de AMOR.
O
Centro Educacional Escada do Tempo foi fundado em Belém do Pará no
ano de 1991, quando uma pedagoga paulista iniciou o sonho de ter uma
escola que permitisse ver a criança como sujeito de uma construção
chamada conhecimento. Esse olhar criador é o que move a criança a
buscar compreender a sociedade e assim interagir com os estímulos a
sua volta, fazendo com que ela consiga se expressar em sua
singularidade e autonomia cognitiva.
No
final de 1994 Marluce da Costa e eu, Mauri Gaspar, conseguimos
comprar a escola, em função da dificuldade financeira vivida pela
proprietária. Esta passou a se chamar Centro Educacional Escada do
Tempo. Esse nome foi possível por entendermos que o conhecimento é
fruto da ação do homem com a maturidade neuropsicológica de seu
tempo presente, visto que o conhecimento se desenvolve por degraus de
uma forma dinâmica, nunca permitindo a permanência da pessoa em um
degrau, pois evoluir é um processo natural e torna-se compatível
com o aumento da idade, elevando a mente sempre a novos desafios,
onde aprender é uma necessidade e um fascínio em qualquer momento
cronológico. Isso significa avançar na direção da eterna
aprendizagem, colocando em transformação constantes as etapas do
desenvolvimento cognitivo do ser humano desde sua vida pré-natal até
o fim de sua vida, pois aprender é viver...
Em
Belém a escola foi Dirigida pela Pedagoga Oldemira Abreu da Costa,
tendo como professores Regina Costa, Marline Gaspar e Simone, além
de um grupo de estagiários. Nesse período inicial de nossa
atividade educacional trabalhávamos com pré-escolar e
alfabetização.
No
ano de 1996 a escola mudou-se para o município de Santarém, região
oeste, no Estado do Pará, onde fixei residência, sendo que a
escola passou a ministrar cursos e treinamentos na abordagem
construtivista e assim conseguiu montar seu quadro de professores,
buscando oferecer um ensino com um Projeto Político Pedagógico
fundamentado na obra de Jean Piaget e Emília Ferreiro, esta formada
em Psicologia, concluiu seu doutorado sob a orientação de Jean
Piaget.
A
riqueza teórica produzida por esse encontro genial entre Piaget e
Emília nos possibilitou muitos anos de pesquisa e aprimoramento da
proposta pedagógica no ato construtivo de fazer e analisar o
resultado alcançado, possibilitando uma eterna construção e
reconstrução do discurso e da prática no universo chamado
aprendizagem humana.
A
escola começou integrativa, o termo inclusão ainda não estava
inserido no dia a dia do meio acadêmico brasileiro, visto que o país
havia acabado de assinar a Declaração de Salamanca, realizada na
Espanha, sendo essa a principal Conferência Mundial de Educação
Especial, onde 88 países e 25 organizações internacionais, em
assembleia, reafirmaram o compromisso com a Educação para Todos,
durante os dias 07 e 10 de junho de 1994.
Esta
declaração reconhece a necessidade e urgência do providenciamento
da educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades
educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino e
reendossa a Estrutura de Ação em Educação Especial...
Entre
os princípios proclamados pela Declaração estão:
• toda
criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a
oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem;
• toda
criança possui características, interesses, habilidades e
necessidades de aprendizagem que são únicas;
• sistemas
educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam
ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de
tais características e necessidades;
• aqueles
com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola
regular,
que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança,
capaz
de satisfazer a tais necessidades;
• escolas
regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios
mais
eficazes
de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades
acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando
educação para todos; além disso, tais escolas proveem uma educação
efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em
última instância, o custo da eficácia de todo o sistema
educacional.
A
Escada do Tempo iniciou sua atividade educacional tendo como base
filosófica os conceitos definidos pela Declaração de Salamanca,
deslumbrando uma condição real de educação para todos,
construindo um Projeto Político Pedagógico direcionado do
Pré-escolar a Alfabetização, mais tarde a 1ª série do ensino
fundamental, tendo como princípio o Construtivismo Piagetiano, à
luz Integrativa e mais tarde Inclusiva.
Assim,
nosso pensamento e prática educacional se direcionaram a uma
pedagogia que respeitasse o direito da criança portadora de
deficiência mental, como denominada na época, bem como, tínhamos
crianças portadoras de algumas deficiências físicas ou
neurológicas, possibilitando que essas crianças pudessem estudar
com crianças que não tinham essas características em seu aspecto
físico e mental.
Quando
assumi a gestão escolar e financeira da Escada do Tempo, mantive os
ideais acima citados e isso foi possível graças a paixão eterna
por minha mãe, conseguindo dessa forma homenagear e agradecer a ela
tudo que fez por mim e meus irmãos no sentido de possibilitar a
todos nós uma educação escolar exemplar. Minha bela mãe, Maria de
Nazaré Nunes Lima, foi uma incansável professora primária, que se
dedicou de maneira competente a educar crianças em inúmeras
escolas, sem nunca ter perdido seu encantamento profissional pela
nobre condição de ser professora. Conseguiu educar todos seus
filhos naturais, com muita luta e renuncia pessoal, deixando sempre
transparecer seu compromisso familiar e profissional, pois trabalhou
muito, porém não deixou faltar ternura e convicção de que a
educação muda o patamar da vida social da família. Nos momentos
mais difíceis, ela foi à inspiração para superar os problemas,
pois incansavelmente revelava sua preocupação com a pouca dedicação
da escola às crianças portadoras de necessidades especiais, visto
que quando se fala em escola inclusiva, essa ainda hoje é assediada
por fortes preconceitos de que crianças com deficiência devem ficar
longe de crianças sem deficiência.
Assim
se estabelece um preconceito cultural que implica em uma fala de que
crianças com nível inferior de inteligência atrapalham a
aprendizagem de crianças com o nível mais elevado, dessa maneira a
sociedade procura deixar claro que a causa da escola inclusiva é um
problema e não uma solução. A desigualdade social é iniciada e
legitimada pela escola, que deviria ser para todos em respeito ao
art. 205 da Constituição Federal Brasileira. Quero lembrar que a
Escola é uma instituição social criada pelo homem para repassar
informações dos conhecimentos acumulativos de natureza do ato de
pensar e do fazer do homem em sua sociedade.
Quando
a escola ancora-se na concepção excludente, ela se torna uma
pilastra mestra do capitalismo, pois qualifica apenas aqueles que
podem reproduzir o capital, tornando-se força de trabalho. Mas por
outro lado, quando a escola se permite pensar o homem em uma dimensão
sistêmica, essa passa a se preocupar com a formação social das
pessoas portadoras de deficiência mental, permitindo um avanço de
socialização que objetiva o bem estar social do indivíduo e de sua
família, pois trabalhar é um valor social importante, porém um ser
humano ser amado por sua família e viver com dignidade, mesmo sendo
diferente, é essencial para todos que conhecem essa realidade
existencial.
A
maioria das escolas brasileiras está preocupada apenas com a
produção do capital, produzir riqueza material, o que não deixa de
ser relevante, visto que o sistema econômico mundial é a soma da
produção, com a hora de trabalho que resulta o capital, descontando
a menos valia, que é o fator gerador do lucro.
Muitas
escolas alegam não poder fazer parte da questão inclusiva e assim
proporcionar uma educação para todos, fugindo do debate e da
responsabilidade acadêmica de aceitar a diferença como condição
da vida de ser diferente. Para essas escolas, a deficiência é uma
exclusão natural; não sendo produzidas por elas, logo não faz
parte de seu debate e de sua ação acadêmica.
O
Centro Educacional Escada do Tempo lutou por 12 anos contra o absurdo
e a ignorância que ainda perdura no dia de hoje, quando se fala de
escola inclusiva. Apesar do tempo que o Brasil assinou a Declaração
de Salamanca, este país ainda não demonstra ter vontade de praticar
uma política pública educacional que ajude a construir um plano de
ação pedagógica capaz de avançar no caminho da inclusão,
diminuindo e muito a exclusão da criança portadora de necessidade
especial, visto que qualquer ação intencionada ou realizada pelos
órgãos governamentais nesse sentido, logo ganha um forte
complemento de marketing político partidário, explorando com isso o
assunto para retirar dividendos eleitorais, pois quando se visita
essa escola, um ano após sua inauguração, proclamada em comercial
nacional via televisão e rádio, observa-se do que foi dito na
publicidade inaugural, pouco se encontra em plena atividade oferecida
aos alunos que ali estão matriculados. Porém vale insistir no
discurso de que é necessário fazer uma escola inclusiva brasileira,
para o bem estar de todas as famílias que possuem filhos com
dificuldades de aprendizagem, seja qual for sua condição física ou
mental.
O
Brasil fala do assunto, mas não oferece condições para que a
questão seja pelo menos tratada com respeito, tendo maior valor
científico, visto que a maioria dos professores que hoje recebem
crianças com necessidades especiais em sua sala de aula revelam não
ter conhecimento técnico de como poder atender a essa criança,
chegando a ter receio de atender esse aluno. Esse fato faz da escola
um lugar de exclusão institucional legitimada por força da falta de
treinamento e de avanço teórico nessa questão, que é tão seria e
necessária, visto que a criança portadora de deficiência não fez
escolha, apenas está obrigada a conviver com a escolha feita sobre
ela por parte do poder público, que produz assim uma questão de
elitismo e consequentemente de segregação social.
Consciente
de que o processo de aprendizagem está inserido na ação sócio
educativa da criança com outras crianças, onde a diferença não é
apenas ser diferente, mas sim uma singularidade de comportamentos
revelados pelos aspectos motor e perceptivo que cada criança tem
como explorar, passando a desenvolver de acordo suas habilidades, com
sua condição própria. Este fator possibilita uma maior riqueza
cognitiva social.
O
Centro Educacional Escada do Tempo, visando praticar o construtivismo
de uma forma ampla, desenvolveu inúmeros Projetos Pedagógicos que
visavam uma maior proximidade entre alunos, pais, professores e
comunidade, expandindo a ação educativa à realidade social da
criança para além da sala de aula. Entre essas atividades estavam:
1ª
- Amostra de Teatro, que objetivava levar a criança a interpretar
seu personagem em condição de movimento, linguagem e representação
social.
2ª
- Projeto Escada Dance, que objetivava ensinar a criança o manuseio
do dinheiro em uma sociedade de consumo.
3ª
- Feira de Ciências, que objetivava levar a criança a experimentar
alguns fenômenos físicos simples do seu dia a dia.
4ª
– Projeto Sonhinho na Escola, que objetivava elevar o nível
emocional e maturacional, visto que a criança chegava ao final da
tarde ou início da noite, consciente de que iria dormir na escola
sem a presença de pais ou responsáveis.
Esses
projetos eram realizados uma vez por semestre, em meses diferentes,
contemplado no calendário escolar.
5ª
- Projeto Voz e Violão, que objetivava elevar o nível de
comunicação verbal e corporal das crianças. Este era realizado uma
vez a cada 15 dias, por um verdadeiro amigo da escola, meu estimado
amigo, Balá, Poeta e Compositor Oriximinaense.
Além
desses projetos, a escola realizava visitas a logradouros públicos e
outras escolas com eventos culturais, mas também realizava suas
festas como: Carnaval na Escola, Dia das Mães, Festa Junina, Dia dos
Pais, Dia da Pátria e Festa de Natal.
Uma
escola construtivista e inclusiva é possível, porém exige estudo
constante e comprometimento da equipe de educadores como um todo, na
linha da eterna pesquisa dos saberes Piagetiano e de Emília
Ferreiro. Faz-se necessário estudar as estruturas mentais da Teoria
Piagetiana, além de estudar e compreender a psicogênese do
conhecimento e seus estágios (nível sensoriomotor de 0 a 2 anos, I
nível pré-operatório de 2 a 4 anos, II nível pré-operatório de
5 a 6 anos-II substágio, I nível de estágio de operações
concretas de 7 a 8 anos, II nível de operações concretas de 9 a 10
anos e operações formais de 10 a 12 anos), que passam por analisar
o aspecto motor, verbal e mental da criança.
Uma
prática construtivista implica em permitir a ação de construir,
aceitando ver a criança como o centro e o agente do processo de
aprendizagem, sendo esta, o sujeito ativo dessa busca, sua
inteligência se expande e se desenvolve na construção de uma ação
singular, representando sua compreensão cognitiva momentânea.
Para
Jean Piaget, o desenvolvimento intelectual age do mesmo modo que o
desenvolvimento biológico, visto que a inteligência não pode ser
separada do organismo como um todo. Assim, os indivíduos se
desenvolvem intelectualmente a partir de exercícios e estímulos
oferecidos pelos meios que os cercam. Logo, a inteligência é
resultado de exercícios e de uma constante busca de aperfeiçoamento
das potencialidades do indivíduo.
Para
Emília Ferreiro as crianças não aprendem do jeito que foram
ensinadas. Sua teoria abriu uma nova forma de pensar a ação do
professor-facilitador diante do aluno-sujeito, demonstrando que o ato
de aprender está ligado diretamente à capacidade da inteligência
da criança e não a do professor que pensa em ensinar.
O
saber de uma criança se faz presente diante do professor, que ao
valorizar sua iniciativa verbal, de escrita ou lúdica, se preocupa
didaticamente em expandir tal fato, respeitando a condição
cognitiva apresentada pela criança no ato da construção do
conhecimento, e sendo sabedor de que o limite não existe para quem
se propõe a aprender e nem para quem se propõe facilitar a
aprendizagem, sendo esta a principal função do professor
facilitador.
“A
inclusão escolar depende das respostas que a escola é capaz de
organizar, as quais serão mais eficazes se houver formação que
ajude o corpo docente a ponderá-las (ECCOS-pg.
481)”.
Construir
é um ato de riqueza e individualidade humana, que se universaliza a
partir do respeito à diferença de poder ser diferente.
"Precisamos Construir uma Escola Construtivista e Inclusiva de qualidade para desenvolver a
Inteligência da criança brasileira!"
Prof.
Mauri Gaspar.
Referência
bibliográfica:
ECCOS
– Revista Científica, São Paulo, v, 10. P. 480, jul./dez.2008.
FERREIRO.
Emília – Alfabetização em Processo. Ed. Cortez, São Paulo.
PIAGET.
Jean – Epistemologia Genética. Martins Fontes. São Paulo. 2002.