terça-feira, 11 de novembro de 2014

Considerações sobre a obra de Fritjof Capra


A Física e o misticismo religioso eram considerados conceitos dicotômicos. Porém, ao longo da evolução da ciência, os resultados de diversas pesquisas apontaram para uma interligação entre estas duas visões de mundo. A partir de conhecimentos adquiridos na sua vida de físico e pesquisador, Fritjof Capra iniciou uma investigação científica baseada nos fundamentos dos principais conceitos da física e das religiões orientais. Seu trabalho buscou analisar as semelhanças existentes entre os conceitos da física moderna e as ideias básicas do misticismo oriental, procurando explicar, de maneira simples, que as Teorias da Física das Partículas, a Teoria da Relatividade e da Física Quântica relatam a visão de um mundo que emerge dessas teorias fazendo um paralelo com as tradições místicas do Hinduísmo, Budismo, Taoísmo, o Pensamento Chinês e o Zen.
O livro “Tao da Física” de Fritjof Capra, em que se baseia este trabalho, teve sua primeira publicação há 35 (trinta e cinco) anos atrás. É considerado, por muitos físicos e estudiosos da filosofia e da ciência, como um ponto de ligação entre a física do século XX e as escolas filosóficas da Antiguidade, após ter descoberto entre estes um paralelismo, vinculado a maneira como físicos e místicos observavam e analisavam o mundo microscópico das partículas que interagem com outras partículas e, até mesmo, a destruição de algumas delas.
Seu livro foi recebido com entusiasmo e também com cautela pela comunidade cientifica, pois muitos teóricos não aceitavam as ideias que apontavam as profundas semelhanças entre a física e a visão dos místicos. Nesse período, muitos tinham uma visão conturbada sobre o misticismo, considerando que essa concepção não tinha base de comprovação cientifica, palpável e objetiva.
À medida que esta distância foi diminuindo e a comunidade começou a entender que o misticismo e seus conceitos eram semelhantes às ideias da física, ocorreram grandes mudanças, vinculadas a forma de entender a lógica de como os místicos estudavam a natureza e seus princípios universais.
A partir deste momento histórico, Fritjof Capra, ao publicar sua primeira obra, intitulada “O Tao da Física” se torna um grande sucesso, ocasionando uma rápida ascensão em sua vida e sua carreira profissional, evoluindo de papel de um físico sobre as teorias das partículas para tornar-se um teórico sistemático e filósofo da ciência. O objetivo de Capra era que a nova física se tornasse um modelo para as demais ciências, capaz de ocasionar uma mudança na sociedade em geral, da mesma forma que a física newtoniana foi, ao longo dos séculos, um modelo para as outras ciências.
Contudo, Capra, num primeiro momento, não conseguiu determinar uma maneira de distinguir o misticismo e a intuição em “O Tao da Física”, mas, posteriormente, em outra obra, “O Ponto de Mutação”, superou sua deficiência em relação a esta distinção. Em seguida, na obra subsequente, “A Teia da Vida” retomou a relação dos efeitos que ocorrem na Terra, do qual o ser humano faz parte, numa nova concepção ecológica.
Esse sentido de envolvimento com a natureza, que abrange mente e corpo, Capra procurou buscar nas filosofias religiosas, tais como Hinduísmo, Budismo, Pensamento Chinês, Taoísmo e o Zen, que subsidiaram suas concepções sobre a interação do mundo com a natureza e a compreensão da vida com a ciência. Passou a acreditar que as filosofias religiosas seriam uma ponte de ligação entre a física e a espiritualidade, concebendo a firme convicção na existência de uma relação direta entre a Física Moderna, Física Quântica, Teoria da Relatividade e a Física das Partículas com os conhecimentos dos místicos.   
Capra revela que experimentou algo fascinante e muito belo, que o levou a percorrer o caminho que acabaria por resultar nas suas principais obras. Relata que, quando estava sentando em uma praia, ao analisar os movimentos das ondas e, ao mesmo tempo, analisando como físico que as pedras e as rochas ali presentes eram constituídas de moléculas e átomos em vibração, percebeu que tudo ao seu redor participava de uma grande dança cósmica. Neste momento, visualizou que se tratava da Dança de Shiva, o Deus dos dançarinos, adorados pelos hindus e, a partir daí, se interessou pelo misticismo oriental.
Verificou que havia um paralelismo entre este e a física, tendo encontrado bases na filosofia mística do Taoísmo, que busca os pontos em comuns entre as abordagens oriental e ocidental. Buscou, então, uma nova e consistente visão do mundo, procurando também a capacidade de abranger novas e avançadas teorias e conceitos da física.
Ao longo de seu trabalho, Capra descobriu que a física e os paralelos: relação espaço tempo, dança de Shiva (dança cósmica) e o mundo dos opostos convergem para uma profunda compreensão do misticismo oriental, que fornece uma estrutura filosófica consistente, permitindo uma interligação com o mundo da física. Esse entendimento leva a perceber que existe um sistema coeso, inseparável e em constante movimento, que abrange desde a viagem ao mundo dos átomos e seus componentes que participam do universo da física moderna até os conceitos do misticismo oriental, onde ambos se integram em uma contínua dança cósmica (Dança de Shiva).
VIDA E OBRA DE FRITJOF CAPRA
 BREVE HISTÓRICO SOBRE FRITJOF CAPRA
Fritjof Capra1 nasceu em 1º de fevereiro de 1939, na Áustria (figura 1). Após ter recebido seu PhD em física teórica pela Universidade de Viena, em 1966, Capra fez a pesquisa em física das partículas na Universidade de Paris (1966-68). Esteve na Universidade da Califórnia em Santa Cruz (1968-70), no Acelerador Linear do Centro de Stanford (1970), na Faculdade Imperial, na Universidade de Londres (1971-74) e no laboratório de Lawrence Berkeley, na Universidade da Califórnia (1975-88). Ensinou também na Universidade do Estado de Santa Cruz, de Berkeley e de São Francisco.
 
Figura 1 – Fritjof Capra [www.valzacchi.com.br/autoconhecimento/fritjof.htm]

Seu nome está intimamente vinculado, de modo explícito, ao surgimento de uma nova maneira de se entender a ciência. Desta forma, compreender a realidade que surge, espontaneamente, do questionamento presente em várias vertentes da ciência e da arte, envolvendo o modo como interpretamos a realidade e de como esta interpretação afeta nosso comportamento frente a nós mesmos e a natureza.
Capra é físico, mas seu trabalho há muito tempo transcende os limites desta ocupação. Cientista, ambientalista, educador e ativista, Capra surgiu para o mundo após lançar “O Tao da Física”2, no qual descrevia os paralelos, a princípio, impossíveis, entre a física quântica e o misticismo oriental e que foi traduzido para vários idiomas.
Junto com outros cientistas, como Stanislav Grof e David Bohn, entre outros, compõe o chamado Novo Paradigma, no qual os cientistas exploravam as possíveis inter-relações da ciência com certas correntes do misticismo oriental.
No livro “O Tao da Física”2, traça um paralelo entre a física moderna (relatividade, física quântica, física das partículas) e as filosofias e pensamentos orientais tradicionais, como o Taoísmo de Lao Tsé, o Budismo, o Hinduísmo e o Zen. Surgido nos anos 60, O Tao da Física busca os pontos comuns entre a abordagem oriental e ocidental da realidade. Foi recebido com enorme desconfiança pelo campo tanto da religião, quanto das ditas ciências naturais, as quais desaprovaram as propostas de Capra em seu livro, no qual procurava abrir um novo capítulo ao relacionar aspectos do zen oriental com a física quântica.
Outro livro que se tornou referência para o pensamento sistemático de Capra foi “O Ponto de Mutação”3, cujo nome foi extraído do hexagrama do I Ching. Nele, Capra compara o pensamento cartesiano, reducionista, modelo do método científico desenvolvido nos últimos séculos e o paradigma emergente do século XX, holístico ou sistemático (que vê o todo como indissociável, de modo que o estudo das partes não permite conhecer o funcionamento do organismo), abrangendo vários campos da cultura ocidental atual, como a Medicina, a Biologia, a Psicologia e a Economia.
Escreveu ainda o livro “A Teia da Vida”4, no qual Capra aponta uma nova maneira de perceber os sistemas vivos. Sua proposta é através da concepção de padrão (forma, ordem e qualidade) e estruturas (substância, matéria e quantidade). Ele acredita que a chave para uma teoria abrangente para os sistemas vivos reside nessas duas abordagens. Atualmente, vive com a esposa e a filha em Berkeley, Califórnia, onde é o diretor do Centro de Educação Ecológica.

SUAS OBRAS
1 - O TAO DA FÍSICA
No livro “O Tao da Física”2, Capra explica sistematicamente as implicações da física quântica e também discute o Hinduísmo, o Budismo, o Pensamento Chinês, o Taoísmo e o Zen (figura 2). Em seguida, procura explicar os paralelos que a física quântica tem com cada uma destas formas de misticismo oriental.


      Figura 2 – Capa do livro “O Tao da Física” [www.livrariasaraiva.com.br/produto/3648743/o-tao-da-fisica/]
A partir deste ponto, Capra procura intensificar seus estudos sobre a filosofia oriental e as tradições culturais destas antigas civilizações, encontrando, assim, um paralelismo entre física moderna e o misticismo oriental e como proceder à interligação entre uma ciência exata que demonstra todo o seu conhecimento através da matemática moderna e, por outro lado, o misticismo que procura demonstrar seus conhecimentos através da meditação.
Este livro procura melhorar a imagem da ciência e evidenciar uma harmonia entre o espírito da sabedoria oriental e o da ciência ocidental. Esta obra foi traduzida em mais de uma dúzia de línguas, tornando-se um dos livros mais lidos, não só por cientistas, mas, em sua grande maioria, por pessoas comuns, que afirmam que há muito tempo sentiam, mas não eram capazes de colocar essa experiência em palavras.
Capra teve esta ousadia de conseguir juntar estes dois conceitos, demonstrando que a física pode sim ultrapassar a tecnologia, que o caminho (ou o Tao da Física) pode ser um caminho percorrido com o coração, um caminho que nos leve ao conhecimento espiritual e a auto-realização.
A partir de uma experiência que passou em 1969, decidiu ou se arriscou a escrever um livro que demonstrasse esses fascinantes paralelos. Foi daí que nasceu, em 1975, seu best-seller “O Tao da Física”2, que mostrou para milhões de pessoas a confirmação destes paralelos, passando a refletir uma realidade física que tem muito em comum com a forma como descrevem o mundo do físico e do místico.
Comparando as afirmações feitas por cientistas e místicos acerca de seu conhecimento do mundo, inicialmente, indagou se o significado de conhecimento que tem um físico de Oxford possui o mesmo significado para um monge budista, visto que, de um lado, estão as teorias, equações e experimentos e, do outro, as escrituras religiosas, antigos mitos ou tratados filosóficos. Refletiu que todas as teorias que se apoiam firmemente sobre experimentos são conhecidas como método científico e que estas apresentam uma correspondência na filosofia oriental.

2 - O PONTO DE MUTAÇÃO
 Capra fez a publicação do livro “O Ponto de Mutação”3 em 1982, no qual investiga as implicações e impactos do que tomava forma como uma mudança de paradigmas, previsto e estudado anteriormente pelo físico Thomas Kuhn (figura 3). O ponto de partida desta investigação foi a observação de que os principais problemas visíveis do século XX, tais como ameaça nuclear, destruição do meio ambiente, desigualdades e exploração gritante entre o Norte e o Sul, preconceitos políticos e raciais, etc., são todos sintomas ou aspectos diversos do que, no fundo, não passa de uma única crise fundamental, uma percepção distorcida baseada no individual e na separatividade entre pessoas, coisas e eventos.

Figura 3 – Capa do livro “O Ponto de Mutação” [www.livrariasaraiva.com.br/produto/306731/o-ponto-de-mutacao/]
Esta crise é promovida quando, pela educação, cultura e ideologia dominante, nós e nossas instituições adotamos conceitos e valores, apesar de percebidos como obsoletos, que servem para justificar e racionalizar sentimentos menos nobres. Quando estes conceitos e valores tomam a roupagem do racionalismo científico, então, parece haver uma catarse coletiva, agindo contra o bem-estar comum, especialmente, na agressão ao meio-ambiente, estaríamos "agindo de forma científica ou, ao menos, racional". Passamos a nos sentir menos culpados e mais ligados a uma ideologia que justifica nossas atitudes.
Durante toda a obra, Capra faz uma crítica fundamental à mentalidade analítica e fragmentadora da ciência normal, em especial, as ciências que tomam o método analítico da Física Clássica de Newton como modelo que deve ser seguido para erguer as demais ao status de ciência perante a comunidade acadêmica.
Podemos salientar que a própria física já superou a mentalidade das bolas de bilhar atômicas que rolam numa mesa tridimensional, o espaço, segundo as forças que atuam sobre elas de forma determinística, embora a maioria dos físicos tenha, ainda, uma percepção newtoniana do mundo. No final, a natureza é um espelho de nossos próprios modelos mentais sobre ela.
Segundo o físico Thomas Kuhn, isso implica que não pode haver uma ciência acabada, com postulados fundamentais fixos, mostrando que o conhecimento humano é um edifício que está longe de ser sólido e concluído e que, frequentemente, nos mostra que os fundamentos científicos, vez por outra, sofrem um abalo, o que implica em uma reconstrução de todo o prédio conceitual, mudando a forma de olharmos a realidade.
Kuhn refere que a mudança de paradigmas ocorre no período denominado de Revolução Científica, que, em nosso século, foi exemplificado pela Teoria da Relatividade, Teoria Quântica, Cibernética, Ecológica e Psicologia Transpessoal. Portanto, Capra enfatiza que a sobrevivência humana, que é ameaçada por várias ações igualmente humanas, vista de uma visão de mundo mecanicista e fragmentada, só será possível se mudarmos nossas atitudes, métodos e valores referentes a uma cultura individualista e materialista atual e a exploração do meio- ambiente, buscando, assim, uma relação com a mente humana.

3 - A TEIA DA VIDA
O mais recente livro de Fritjof Capra, “A Teia da Vida”4, retoma a visão de interligação ecológica de todos os eventos que ocorrem na Terra, da qual também fazemos parte, de forma fundamental (figura 4). Em muitos pontos, este pode ser o livro mais profundo já escrito por Capra.

Figura 4 – Capa do livro “A Teia da Vida” [www.livrariasaraiva.com.br/produto/399429/a-teia-da-vida/]
Capra nos apresenta o conceito de Ecologia Profunda, num sentido mais amplo do que aquele em que é usualmente empregado. Assim, procura reconhecer a interdependência fundamental de todos os fenômenos e a perfeita integração dos indivíduos e das sociedades nos processos cíclicos da natureza. Essa percepção ecológica está agora emergindo em várias áreas de nossa sociedade, tanto fora como dentro da ciência. Sua maior contribuição está no desafio que nos coloca na busca de uma compreensão maior da realidade em que vivemos, procurando alcançar novos níveis de consciência e nos ajudar a enxergar, com maior clareza, o propósito da vida.
Esta obra de Capra representa também outro tipo de desafio que é mudar a nossa maneira de pensar e procurar entender como funcionamos e como a vida funciona, a partir das novas concepções da física, que vem gerando uma profunda mudança em nossas visões do mundo. A interdependência de todos os fenômenos indica que o universo não é formado por uma coleção de objetos isolados, mas sim uma rede de fenômenos que estão interconectados e são interdependentes. Nesse sentido, a ecologia reconhece o valor de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular da teia da vida.
Concluindo, os estudos de Fritjof Capra utilizaram os conceitos relacionados ao misticismo oriental, a princípio, parecem incongruentes com o modelo cartesiano e os fundamentos da investigação científica tradicional. Contudo, ao longo de décadas de estudos e publicação de suas principais obras, baseadas nos fundamentos dos principais conceitos que a Física Moderna, a Física Quântica, a Física das Partículas e a Teoria da Relatividade têm em comum com a análise e observações do mundo, procurou comprovar a existência da complementaridade destas duas concepções, que podem sim caminhar juntas, uma vez que a física moderna tem uma interpretação de mundo que converge com as interpretações dos místicos.





Podemos analisar que Capra recebeu forte influência das filosofias religiosas que se interessam pela sabedoria intuitiva, tais como o Taoísmo, o Budismo, o Hinduísmo, o Pensamento Chinês e o Zen, fundamentando a discussão da física e sua inter-relação com a visão de um mundo que emerge das teorias científicas e fazendo um paralelo com as tradições místicas.
 
Marcio Arlindo Monteiro Corrêa
Professor de Física

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
01.   VIDA e obra de Fritjof Capra. Disponível em: <www.valzacchi.com.br/autoconhecimento/fritjof.htm>. Acesso em: 8 abr. 2014, 9:10:15.
02.  CAPRA, F. O Tao da Física: uma análise dos paralelos entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental. São Paulo: Cultrix, 2010.
03.  CAPRA, F. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 2011.
04.  CAPRA, F. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 2012.
05.  TAOÍSMO – A Religião e o Homem. Disponível em: <areligiao.blogs.sapo.pt/
1578.html>. Acesso em: 15 jun. 2014, 14:15:20.