quarta-feira, 4 de novembro de 2020

MEMÓRIAS AFETIVAS DE NOSSOS PAIS EM TEMPO DE CÍRIO.

A saudade é uma coisa engraçada. Vai chegando de mansinho e a gente nem percebe. De repente, estava organizando a casa para o Círio do mesmo jeito que minha mãe Maria de Nazaré organizava... Partindo da limpeza geral, até o oratório preparado com muito capricho. Absorvemos tantas coisas na infância e na idade madura, repetimos igualzinho. Bem que a música da Elis Regina diz: Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais...

A camisa do Círio, a famosa fitinha com três promessas, o escapulário ou cordão da Santinha, enfim tudo remete a nossa reverência a Nossa Senhora de Nazaré.

Ah! E a mesa farta do Círio é um capítulo a parte. Mamãe gostava de receber, com diversos pratos típicos, os meus tios que chegavam de viagem: pato no tucupi, maniçoba, pirarucu, bolinhos de bacalhau, vatapá...

E as sobremesas eram frutas típicas de nossa região: cremes e bolos de cupuaçu, bacuri, graviola, etc.

A casa era uma festa só! Com muitas alegrias e abraços, reencontrávamos os tios e primos de terras distantes.

Depois dos cumprimentos, saíamos de fininho para deixar os adultos à vontade para conversar, conforme a educação da época. Só retornávamos para a sala se fôssemos chamados ou após as visitas terem almoçado.

Era um suplício, aguardar com ansiedade o almoço do Círio...

E a felicidade de ganhar uma lembrança dos tios e primos recém-chegados!

À tardinha, o famoso cafezinho para finalizar os assuntos do dia.

Tempo, tempo, tempo...

Caetano Veloso

E para encerrar minhas memórias dos Círios de minha infância, quero falar a todas minhas amigas e amigos que têm mãe e pai vivos, para aproveitarem ao máximo o tempo com eles. Compartilhar coisas legais, inventar, fazer um bolo de fubá, cozinhar milho, pupunhas, fazer broas, doce de cupuaçu, comprar cascalhos ou pipocas de arroz, ouvir músicas antigas de cantores que eles apreciam, escrever pequenas histórias de família, ler livros religiosos juntos a eles, etc.

Cada filho tem uma história com seus pais e sabe o que ele mais gosta.

Conversar sobre as dificuldades e desafios da época, fatos históricos que vivenciaram, como o governador Magalhães Barata, o bondinho, a lamparina, a vida no interior, criação de animais, os meios de transporte, de comunicação...



O idoso é um livro vivo de lembranças do passado!

Ainda lembro-me dos famosos ditados e provérbios que eles utilizavam para exemplificar:

“Quem com ferro fere, com ferro será ferido”.

“Em terra de cego, quem tem um olho é rei”.

Quando alguém estava gripado...

            “Livra-te dos males que eu te ajudarei”.

 

Quando a gente estava com preguiça...

“Primeiro a obrigação, depois a diversão”.

Quando tinha um boato...

          “Onde há fumaça, há fogo”.

Nós como filhos, nos espelhamos em nossos pais. Muitas vezes, nas crises de nossas vidas, nos perguntamos se nossa mãe ou nosso pai aprovaria determinada atitude que tomamos.

Eles são nossas referências de vida e até, de forma inconsciente, buscamos aprovação, agradando-os, de todas as formas.



Alegrias e tristezas compartilhadas ao longo da vida nos mostram o quanto eles também tiveram suas dificuldades, suas opções de vida e foram corajosos diante de tantos obstáculos. Cada geração tem seus desafios! E, ao fazer a revisão de suas vidas, percebem em que erraram e acertaram, pois são humanos e como sabemos o livro da vida não vem com manual.

Afinal:

“Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

Almir Sater / Renato Teixeira

Por fim, este canal da memória afetiva, me faz pensar que devemos relembrar juntos, compartilhar juntos, enquanto o tempo, senhor da vida, nos permite vivenciar a lembrança que não foi e que não irá, pois cada passo que ainda me cabe, darei com as lembranças de minha infância, para que a menina que existe em mim tenha como se preservar, me permitindo aflorar as emoções vivas no agora de meu eterno ser.

Por: Rita de Cássia Gaspar