sábado, 2 de maio de 2020

Mudanças de Hábitos e Valores, O Poço e o Dia a Dia.



Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”.

  Hoje estamos vivendo um momento de muita aprendizagem pessoal e coletiva, por isso precisamos mergulhar em nosso íntimo afetivo e assim avaliarmos melhor nossas ações no dia a dia, seja na construção ou quem sabe na recuperação de nossos laços familiares, bem como em nossas outras formas sociais de conviver, sejam comunitárias ou profissionais.

          O mundo científico produz um amplo debate sobre o combate ao Vírus que reduziu de forma significativa as estimativas de lucro na economia mundial, mudou a rotina do conhecimento científico, das pessoas, interferindo diretamente no eixo do relacionamento humano de forma tão profunda que estamos sem saber o que fazer para mantermos nossas vidas nas condições de desenvolvimento cognitivo, emocional e espiritual.

          E aqui Pablo Neruda me permite pensar o Poço, em que:
        “Cais, às vezes, afundas em teu fosso de silêncio, 
        em teu abismo de orgulhosa cólera, 
        e mal consegues voltar, 
        trazendo restos do que achaste pelas profunduras da tua existência”...

        E tentando fugir desse poço, das profundezas da solidão e do silêncio, procuramos nos despertar ao amanhecer de cada dia para um exercício composto de uma autodisciplina, renúncia, descobertas de propósitos que podem nos ajudar na melhoria de nossa harmonia pessoal, interpessoal e grupal, a partir dos aspectos psicológicos, tendo como referência nosso corpo, nossa cultura, nossa linguagem na sociedade em que estamos inseridos.

       Nesse sentido, estamos redescobrindo hábitos e valores familiares em nossa vida cotidiana que pareciam distantes, como por exemplo, o sorriso, a presteza, a higienização familiar e habitacional, a valorização da convivência proximal. e essa às vezes dificultada pelo distanciamento que ocorria, mas tudo isso se justifica no presente, visto que nesse momento todos nós necessitamos de ações de preservação da vida e temos consciência que não podemos tocar e nem beijar pessoas que antes tínhamos toda liberdade, estávamos tão perto que pensamos que nunca estariam ausentes ou distantes, tudo mudou muito rapidamente, e uma palavra chamada quarentena, passou a fazer parte de nosso vocabulário natural, ou seja, temos que ficar maior tempo possível em nossas residências.

          Aqui Pablo Neruda, em o Poço, me permite expressar:
        ...“Não acharás, amor, 
        no poço em que cais o que na altura guardo para ti: 
        um ramo de jasmins todo orvalhado, 
        um beijo mais profundo que esse abismo”...

        E pela força da ausência desse beijo, no mais profundo abismo do isolamento social, sentimos a ausência como algo que nos provoca inúmeros sentimentos, e para lidarmos com essa carga afetiva recorremos às fotografias das pessoas que estimamos, sejam familiares, amigos, colegas de trabalho, viagens e que estão armazenados em nossa tecnologia habitual.

      É verdade que planejávamos eventos sociais, novas viagens, e tanto mais, porém, agora não poderemos realizá-los, então nossos sentimentos se deslocam para um horizonte próximo, futuro, onde nos refugiamos e imaginamos que seremos compensados por essa falta da presença no presente...

       Agora, reconstruindo nossas metas pessoais e profissionais, no silêncio subjetivo de nossa alma a cada dia, através de um aprendizado de renúncias, mudança de hábitos e valores, e para isso, precisamos reconhecer o nosso eixo social sem o pleno olhar narcísico do poder, em que tudo para nós seria possível a partir do “foco” no próprio desejo, agora, sabemos que não podemos mais contemplar o reflexo da imagem narcisa, pois, a água do poço de nossa existência social e humanitária não é límpida. Assim, diariamente, produzimos uma ampla discussão do que venha ser a autonomia humana diante de nossa imagem infinitamente menor que as forças do universo.

         Aqui, Pablo Neruda, em O Poço, me permite citar:
          ... “Não me temas, 
          não caias de novo em teu rancor. 
          Sacode a minha palavra que te veio ferir e deixa que ela voe pela janela aberta. 
          Ela voltará a ferir-me sem que tu a dirijas, 
         porque foi carregada com um instante duro e esse instante será desarmado em meu peito”....
        
       Então, passamos a ter consciência que o universo tem inúmeras vidas e que nós somos os cuidadores, pois nossas ações são demandadas a partir de como olhamos aquela situação, mas para isso, se faz necessário termos uma lente de aumento, onde a proximidade da realidade social possa se manifestar, se conhecer, se discutir e se buscar transformar, visto que uma reunião de pessoas pode gerar inúmeros benefícios ou destruições às demais, porém entendemos que o grande reflexo dessa atitude é sabermos lidar com uma sociedade repleta de complexidade pessoais e múltipla em hábitos e valores culturais e que isso significa condições de mutações e adaptações para com todo, onde o tempo é o nosso aliado para o despertar de um novo momento em nossas vidas.

      Um vírus nos faz pensar o quanto nosso poço introspectivo, imagem interna, e extrospectivos, imagem externa, ainda precisamos conhecer, para que possamos melhorar nossas ações relacionais diante das profundezas de nossas atitudes nos cenários múltiplos de nosso ser.

          Pablo Neruda, sugere:
           ..."Dá-me amor, 
         me sorri e me ajuda a ser bom. 
         Não te firas em mim, 
         seria inútil, 
         não me firas a mim porque te feres”...

         Por isso, esse momento é de aprendizagem para todos nós, sem distinção de credo religioso ou ideologia política, visto que posteriormente a toda essa dificuldade humana que o planeta está passando, acreditamos que as relações humanas serão modificadas, retirando dos poços de nossas existências uma maior quantidade de água solidária, com um aroma extremamente agradável de fraternidade humana.

Isso é tudo que precisamos para semearmos e colhermos novos frutos providos da terra mãe, visto que ela se permite fecundar por nossas ações, porém sempre irá nos devolver e responsabilizarmos pela forma como venha a ocorrer a fecundação.
...



Pablo Neruda - O Poço



O Poço


Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.


Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?


Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.

Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.

Pablo Neruda