A saudade é uma coisa engraçada. Vai
chegando de mansinho e a gente nem percebe. De repente, estava organizando a
casa para o Círio do mesmo jeito que minha mãe Maria de Nazaré organizava... Partindo da
limpeza geral, até o oratório preparado com muito capricho. Absorvemos tantas
coisas na infância e na idade madura, repetimos igualzinho. Bem que a música da
Elis Regina diz: Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais...
A camisa do Círio, a famosa fitinha com três promessas, o escapulário ou cordão da Santinha, enfim tudo remete a nossa
reverência a Nossa Senhora de Nazaré.
Ah! E a mesa farta do Círio é um capítulo a
parte. Mamãe gostava de receber, com diversos pratos típicos, os meus tios que chegavam de viagem: pato no tucupi, maniçoba, pirarucu, bolinhos de bacalhau,
vatapá...
E as sobremesas eram frutas típicas de
nossa região: cremes e bolos de cupuaçu, bacuri, graviola, etc.
A casa era uma festa só! Com muitas
alegrias e abraços, reencontrávamos os tios e primos de terras distantes.
Depois dos cumprimentos, saíamos de fininho
para deixar os adultos à vontade para conversar, conforme a educação da época. Só
retornávamos para a sala se fôssemos chamados ou após as visitas terem almoçado.
Era um suplício, aguardar com ansiedade o
almoço do Círio...
E a felicidade de ganhar uma lembrança dos
tios e primos recém-chegados!
À tardinha, o famoso cafezinho para finalizar
os assuntos do dia.
Tempo,
tempo, tempo...
Caetano
Veloso
E para encerrar minhas memórias dos Círios
de minha infância, quero falar a todas minhas amigas e amigos que têm mãe e pai
vivos, para aproveitarem ao máximo o tempo com eles. Compartilhar
coisas legais, inventar, fazer um bolo de fubá, cozinhar milho, pupunhas, fazer
broas, doce de cupuaçu, comprar cascalhos ou pipocas de arroz, ouvir músicas
antigas de cantores que eles apreciam, escrever pequenas histórias de família,
ler livros religiosos juntos a eles, etc.
Cada filho tem uma história com seus pais e sabe o que ele mais gosta.
Conversar sobre as dificuldades e desafios
da época, fatos históricos que vivenciaram, como o governador Magalhães Barata,
o bondinho, a lamparina, a vida no interior, criação de animais, os meios de
transporte, de comunicação...
O idoso é um livro vivo de lembranças do
passado!
Ainda lembro-me dos famosos ditados e
provérbios que eles utilizavam para exemplificar:
“Quem com ferro fere, com ferro será ferido”.
“Em terra de cego, quem tem um olho é rei”.
Quando alguém estava gripado...
“Livra-te dos males
que eu te ajudarei”.
Quando a gente estava com preguiça...
“Primeiro a obrigação, depois a
diversão”.
Quando tinha um boato...
“Onde há fumaça, há
fogo”.
Nós como filhos, nos espelhamos em nossos
pais. Muitas vezes, nas crises de nossas vidas, nos perguntamos se nossa mãe ou
nosso pai aprovaria determinada atitude que tomamos.
Eles são nossas referências de vida e até,
de forma inconsciente, buscamos aprovação, agradando-os, de todas as formas.
Alegrias e tristezas compartilhadas ao
longo da vida nos mostram o quanto eles também tiveram suas dificuldades, suas
opções de vida e foram corajosos diante de tantos obstáculos. Cada geração tem seus
desafios! E, ao fazer a revisão de suas vidas, percebem em que erraram e
acertaram, pois são humanos e como sabemos o livro da vida não vem com
manual.
Afinal:
“Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser feliz”
Almir Sater / Renato Teixeira
Por fim, este canal da memória afetiva, me faz pensar que
devemos relembrar juntos, compartilhar juntos, enquanto o tempo, senhor da
vida, nos permite vivenciar a lembrança que não foi e que não irá, pois cada passo que ainda
me cabe, darei com as lembranças de minha infância, para que a menina que
existe em mim tenha como se preservar, me permitindo aflorar as emoções vivas
no agora de meu eterno ser.
Por: Rita de Cássia Gaspar