A
Física e o misticismo religioso eram considerados conceitos dicotômicos. Porém,
ao longo da evolução da ciência, os resultados de diversas pesquisas apontaram
para uma interligação entre estas duas visões de mundo. A partir de
conhecimentos adquiridos na sua vida de físico e pesquisador, Fritjof Capra
iniciou uma investigação científica baseada nos fundamentos dos principais
conceitos da física e das religiões orientais. Seu trabalho buscou analisar as
semelhanças existentes entre os conceitos da física moderna e as ideias básicas
do misticismo oriental, procurando explicar, de maneira simples, que as Teorias
da Física das Partículas, a Teoria da Relatividade e da Física Quântica relatam
a visão de um mundo que emerge dessas teorias fazendo um paralelo com as
tradições místicas do Hinduísmo, Budismo, Taoísmo, o Pensamento Chinês e o Zen.
O
livro “Tao da Física” de Fritjof Capra, em que se baseia este trabalho, teve
sua primeira publicação há 35 (trinta e cinco) anos atrás. É considerado, por
muitos físicos e estudiosos da filosofia e da ciência, como um ponto de ligação
entre a física do século XX e as escolas filosóficas da Antiguidade, após ter descoberto
entre estes um paralelismo, vinculado a maneira como físicos e místicos
observavam e analisavam o mundo microscópico das partículas que interagem com
outras partículas e, até mesmo, a destruição de algumas delas.
Seu
livro foi recebido com entusiasmo e também com cautela pela comunidade
cientifica, pois muitos teóricos não aceitavam as ideias que apontavam as
profundas semelhanças entre a física e a visão dos místicos. Nesse período,
muitos tinham uma visão conturbada sobre o misticismo, considerando que essa
concepção não tinha base de comprovação cientifica, palpável e objetiva.
À
medida que esta distância foi diminuindo e a comunidade começou a entender que
o misticismo e seus conceitos eram semelhantes às ideias da física, ocorreram
grandes mudanças, vinculadas a forma de entender a lógica de como os místicos
estudavam a natureza e seus princípios universais.
A
partir deste momento histórico, Fritjof Capra, ao publicar sua primeira obra, intitulada
“O Tao da Física” se torna um grande sucesso, ocasionando uma rápida ascensão
em sua vida e sua carreira profissional, evoluindo de papel de um físico sobre
as teorias das partículas para tornar-se um teórico sistemático e filósofo da
ciência. O objetivo de Capra era que a nova física se tornasse um modelo para
as demais ciências, capaz de ocasionar uma mudança na sociedade em geral, da
mesma forma que a física newtoniana foi, ao longo dos séculos, um modelo para
as outras ciências.
Contudo,
Capra, num primeiro momento, não conseguiu determinar uma maneira de distinguir
o misticismo e a intuição em “O Tao da Física”, mas, posteriormente, em outra
obra, “O Ponto de Mutação”, superou sua deficiência em relação a esta
distinção. Em seguida, na obra subsequente, “A Teia da Vida” retomou a relação
dos efeitos que ocorrem na Terra, do qual o ser humano faz parte, numa nova
concepção ecológica.
Esse
sentido de envolvimento com a natureza, que abrange mente e corpo, Capra
procurou buscar nas filosofias religiosas, tais como Hinduísmo, Budismo,
Pensamento Chinês, Taoísmo e o Zen, que subsidiaram suas concepções sobre a
interação do mundo com a natureza e a compreensão da vida com a ciência. Passou
a acreditar que as filosofias religiosas seriam uma ponte de ligação entre a
física e a espiritualidade, concebendo a firme convicção na existência de uma
relação direta entre a Física Moderna, Física Quântica, Teoria da Relatividade
e a Física das Partículas com os conhecimentos dos místicos.
Capra
revela que experimentou algo fascinante e muito belo, que o levou a percorrer o
caminho que acabaria por resultar nas suas principais obras. Relata que, quando
estava sentando em uma praia, ao analisar os movimentos das ondas e, ao mesmo
tempo, analisando como físico que as pedras e as rochas ali presentes eram
constituídas de moléculas e átomos em vibração, percebeu que tudo ao seu redor
participava de uma grande dança cósmica. Neste momento, visualizou que se
tratava da Dança de Shiva, o Deus dos dançarinos, adorados pelos hindus e, a
partir daí, se interessou pelo misticismo oriental.
Verificou
que havia um paralelismo entre este e a física, tendo encontrado bases na filosofia
mística do Taoísmo, que busca os pontos em comuns entre as abordagens oriental
e ocidental. Buscou, então, uma nova e consistente visão do mundo, procurando
também a capacidade de abranger novas e avançadas teorias e conceitos da física.
Ao
longo de seu trabalho, Capra descobriu que a física e os paralelos: relação
espaço tempo, dança de Shiva (dança cósmica) e o mundo dos opostos convergem
para uma profunda compreensão do misticismo oriental, que fornece uma estrutura
filosófica consistente, permitindo uma interligação com o mundo da física. Esse
entendimento leva a perceber que existe um sistema coeso, inseparável e em
constante movimento, que abrange desde a viagem ao mundo dos átomos e seus componentes
que participam do universo da física moderna até os conceitos do misticismo
oriental, onde ambos se integram em uma contínua dança cósmica (Dança de Shiva).
VIDA E OBRA DE FRITJOF CAPRA
BREVE
HISTÓRICO SOBRE FRITJOF CAPRA
Fritjof
Capra1 nasceu em 1º de fevereiro de 1939, na Áustria (figura 1).
Após ter recebido seu PhD em física teórica pela Universidade de Viena, em
1966, Capra fez a pesquisa em física das partículas na Universidade de Paris
(1966-68). Esteve na Universidade da Califórnia em Santa Cruz (1968-70), no
Acelerador Linear do Centro de Stanford (1970), na Faculdade Imperial, na
Universidade de Londres (1971-74) e no laboratório de Lawrence Berkeley, na
Universidade da Califórnia (1975-88). Ensinou também na Universidade do Estado
de Santa Cruz, de Berkeley e de São Francisco.
Figura 1 –
Fritjof Capra [www.valzacchi.com.br/autoconhecimento/fritjof.htm]
Seu
nome está intimamente vinculado, de modo explícito, ao surgimento de uma nova
maneira de se entender a ciência. Desta forma, compreender a realidade que
surge, espontaneamente, do questionamento presente em várias vertentes da
ciência e da arte, envolvendo o modo como interpretamos a realidade e de como
esta interpretação afeta nosso comportamento frente a nós mesmos e a natureza.
Capra
é físico, mas seu trabalho há muito tempo transcende os limites desta ocupação.
Cientista, ambientalista, educador e ativista, Capra surgiu para o mundo após
lançar “O Tao da Física”2, no qual descrevia os paralelos, a princípio,
impossíveis, entre a física quântica e o misticismo oriental e que foi traduzido
para vários idiomas.
Junto
com outros cientistas, como Stanislav Grof e David Bohn, entre outros, compõe o
chamado Novo Paradigma, no qual os cientistas exploravam as possíveis
inter-relações da ciência com certas correntes do misticismo oriental.
No
livro “O Tao da Física”2, traça um paralelo entre a física moderna
(relatividade, física quântica, física das partículas) e as filosofias e pensamentos
orientais tradicionais, como o Taoísmo de Lao Tsé, o Budismo, o Hinduísmo e o
Zen. Surgido nos anos 60, O Tao da Física busca os pontos comuns entre a
abordagem oriental e ocidental da realidade. Foi recebido com enorme
desconfiança pelo campo tanto da religião, quanto das ditas ciências naturais,
as quais desaprovaram as propostas de Capra em seu livro, no qual procurava
abrir um novo capítulo ao relacionar aspectos do zen oriental com a física
quântica.
Outro
livro que se tornou referência para o pensamento sistemático de Capra foi “O
Ponto de Mutação”3, cujo nome foi extraído do hexagrama do I Ching.
Nele, Capra compara o pensamento cartesiano, reducionista, modelo do método
científico desenvolvido nos últimos séculos e o paradigma emergente do século
XX, holístico ou sistemático (que vê o todo como indissociável, de modo que o
estudo das partes não permite conhecer o funcionamento do organismo), abrangendo
vários campos da cultura ocidental atual, como a Medicina, a Biologia, a
Psicologia e a Economia.
Escreveu
ainda o livro “A Teia da Vida”4, no qual Capra aponta uma nova
maneira de perceber os sistemas vivos. Sua proposta é através da concepção de
padrão (forma, ordem e qualidade) e estruturas (substância, matéria e
quantidade). Ele acredita que a chave para uma teoria abrangente para os
sistemas vivos reside nessas duas abordagens. Atualmente, vive com a esposa e a
filha em Berkeley, Califórnia, onde é o diretor do Centro de Educação
Ecológica.
SUAS OBRAS
1 - O TAO DA
FÍSICA
No
livro “O Tao da Física”2, Capra explica sistematicamente as
implicações da física quântica e também discute o Hinduísmo, o Budismo, o Pensamento
Chinês, o Taoísmo e o Zen (figura 2). Em seguida, procura explicar os paralelos
que a física quântica tem com cada uma destas formas de misticismo oriental.
Figura 2 –
Capa do livro “O Tao da Física” [www.livrariasaraiva.com.br/produto/3648743/o-tao-da-fisica/]
A
partir deste ponto, Capra procura intensificar seus estudos sobre a filosofia
oriental e as tradições culturais destas antigas civilizações, encontrando,
assim, um paralelismo entre física moderna e o misticismo oriental e como
proceder à interligação entre uma ciência exata que demonstra todo o seu
conhecimento através da matemática moderna e, por outro lado, o misticismo que
procura demonstrar seus conhecimentos através da meditação.
Este
livro procura melhorar a imagem da ciência e evidenciar uma harmonia entre o
espírito da sabedoria oriental e o da ciência ocidental. Esta obra foi traduzida
em mais de uma dúzia de línguas, tornando-se um dos livros mais lidos, não só
por cientistas, mas, em sua grande maioria, por pessoas comuns, que afirmam que
há muito tempo sentiam, mas não eram capazes de colocar essa experiência em
palavras.
Capra
teve esta ousadia de conseguir juntar estes dois conceitos, demonstrando que a
física pode sim ultrapassar a tecnologia, que o caminho (ou o Tao da Física)
pode ser um caminho percorrido com o coração, um caminho que nos leve ao
conhecimento espiritual e a auto-realização.
A
partir de uma experiência que passou em 1969, decidiu ou se arriscou a escrever
um livro que demonstrasse esses fascinantes paralelos. Foi daí que nasceu, em
1975, seu best-seller “O Tao da Física”2, que mostrou para milhões
de pessoas a confirmação destes paralelos, passando a refletir uma realidade
física que tem muito em comum com a forma como descrevem o mundo do físico e do
místico.
Comparando
as afirmações feitas por cientistas e místicos acerca de seu conhecimento do
mundo, inicialmente, indagou se o significado de conhecimento que tem um físico
de Oxford possui o mesmo significado para um monge budista, visto que, de um
lado, estão as teorias, equações e experimentos e, do outro, as escrituras religiosas,
antigos mitos ou tratados filosóficos. Refletiu que todas as teorias que se
apoiam firmemente sobre experimentos são conhecidas como método científico e
que estas apresentam uma correspondência na filosofia oriental.
2 - O PONTO DE MUTAÇÃO
Capra fez a publicação do
livro “O Ponto de Mutação”3 em 1982, no qual investiga as
implicações e impactos do que tomava forma como uma mudança de paradigmas,
previsto e estudado anteriormente pelo físico Thomas Kuhn (figura 3). O ponto
de partida desta investigação foi a observação de que os principais problemas
visíveis do século XX, tais como ameaça nuclear, destruição do meio ambiente,
desigualdades e exploração gritante entre o Norte e o Sul, preconceitos políticos
e raciais, etc., são todos sintomas ou aspectos diversos do que, no fundo, não
passa de uma única crise fundamental, uma percepção distorcida baseada no individual
e na separatividade entre pessoas, coisas e eventos.
Figura 3 –
Capa do livro “O Ponto de Mutação” [www.livrariasaraiva.com.br/produto/306731/o-ponto-de-mutacao/]
Esta
crise é promovida quando, pela educação, cultura e ideologia dominante, nós e
nossas instituições adotamos conceitos e valores, apesar de percebidos como
obsoletos, que servem para justificar e racionalizar sentimentos menos nobres.
Quando estes conceitos e valores tomam a roupagem do racionalismo científico,
então, parece haver uma catarse coletiva, agindo contra o bem-estar comum,
especialmente, na agressão ao meio-ambiente, estaríamos "agindo de forma científica ou, ao menos, racional". Passamos
a nos sentir menos culpados e mais ligados a uma ideologia que justifica nossas
atitudes.
Durante
toda a obra, Capra faz uma crítica fundamental à mentalidade analítica e
fragmentadora da ciência normal, em especial, as ciências que tomam o método
analítico da Física Clássica de Newton como modelo que deve ser seguido para
erguer as demais ao status de ciência perante a comunidade acadêmica.
Podemos
salientar que a própria física já superou a mentalidade das bolas de bilhar
atômicas que rolam numa mesa tridimensional, o espaço, segundo as forças que
atuam sobre elas de forma determinística, embora a maioria dos físicos tenha,
ainda, uma percepção newtoniana do mundo. No final, a natureza é um espelho de
nossos próprios modelos mentais sobre ela.
Segundo
o físico Thomas Kuhn, isso implica que não pode haver uma ciência acabada, com
postulados fundamentais fixos, mostrando que o conhecimento humano é um
edifício que está longe de ser sólido e concluído e que, frequentemente, nos
mostra que os fundamentos científicos, vez por outra, sofrem um abalo, o que
implica em uma reconstrução de todo o prédio conceitual, mudando a forma de
olharmos a realidade.
Kuhn
refere que a mudança de paradigmas ocorre no período denominado de Revolução
Científica, que, em nosso século, foi exemplificado pela Teoria da
Relatividade, Teoria Quântica, Cibernética, Ecológica e Psicologia
Transpessoal. Portanto, Capra enfatiza que a sobrevivência humana, que é
ameaçada por várias ações igualmente humanas, vista de uma visão de mundo
mecanicista e fragmentada, só será possível se mudarmos nossas atitudes,
métodos e valores referentes a uma cultura individualista e materialista atual
e a exploração do meio- ambiente, buscando, assim, uma relação com a mente
humana.
3 - A TEIA DA VIDA
O
mais recente livro de Fritjof Capra, “A Teia da Vida”4, retoma a
visão de interligação ecológica de todos os eventos que ocorrem na Terra, da
qual também fazemos parte, de forma fundamental (figura 4). Em muitos pontos,
este pode ser o livro mais profundo já escrito por Capra.
Figura 4 –
Capa do livro “A Teia da Vida” [www.livrariasaraiva.com.br/produto/399429/a-teia-da-vida/]
Capra
nos apresenta o conceito de Ecologia Profunda, num sentido mais amplo do que
aquele em que é usualmente empregado. Assim, procura reconhecer a
interdependência fundamental de todos os fenômenos e a perfeita integração dos
indivíduos e das sociedades nos processos cíclicos da natureza. Essa percepção
ecológica está agora emergindo em várias áreas de nossa sociedade, tanto fora
como dentro da ciência. Sua maior contribuição está no desafio que nos coloca
na busca de uma compreensão maior da realidade em que vivemos, procurando
alcançar novos níveis de consciência e nos ajudar a enxergar, com maior
clareza, o propósito da vida.
Esta
obra de Capra representa também outro tipo de desafio que é mudar a nossa
maneira de pensar e procurar entender como funcionamos e como a vida funciona,
a partir das novas concepções da física, que vem gerando uma profunda mudança
em nossas visões do mundo. A interdependência de todos os fenômenos indica que
o universo não é formado por uma coleção de objetos isolados, mas sim uma rede
de fenômenos que estão interconectados e são interdependentes. Nesse sentido, a
ecologia reconhece o valor de todos os seres vivos e concebe os seres humanos
apenas como um fio particular da teia da vida.
Concluindo, os
estudos de Fritjof Capra utilizaram os conceitos relacionados ao
misticismo oriental, a princípio, parecem incongruentes com o modelo cartesiano
e os fundamentos da investigação científica tradicional. Contudo, ao longo de
décadas de estudos e publicação de suas principais obras, baseadas nos
fundamentos dos principais conceitos que a Física Moderna, a Física Quântica, a
Física das Partículas e a Teoria da Relatividade têm em comum com a análise e observações
do mundo, procurou comprovar a existência da complementaridade destas duas
concepções, que podem sim caminhar juntas, uma vez que a física moderna tem uma
interpretação de mundo que converge com as interpretações dos místicos.
Podemos
analisar que Capra recebeu forte influência das filosofias religiosas que se
interessam pela sabedoria intuitiva, tais como o Taoísmo, o Budismo, o
Hinduísmo, o Pensamento Chinês e o Zen, fundamentando a discussão da física e
sua inter-relação com a visão de um mundo que emerge das teorias científicas e fazendo
um paralelo com as tradições místicas.
Marcio Arlindo Monteiro Corrêa
Professor de Física
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
01.
VIDA e obra de Fritjof Capra. Disponível em: <www.valzacchi.com.br/autoconhecimento/fritjof.htm>. Acesso em: 8 abr.
2014, 9:10:15.
02.
CAPRA,
F. O Tao da Física: uma análise dos
paralelos entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental. São Paulo: Cultrix,
2010.
03.
CAPRA,
F. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 2011.
04.
CAPRA,
F. A Teia da Vida. São Paulo:
Cultrix, 2012.
05. TAOÍSMO – A Religião e o Homem. Disponível em: <areligiao.blogs.sapo.pt/
05. TAOÍSMO – A Religião e o Homem. Disponível em: <areligiao.blogs.sapo.pt/
1578.html>. Acesso em: 15 jun.
2014, 14:15:20.